Cruzeiro do Sul, Acre, 15 de julho de 2025 16:36

João Mariano: “Era, antes de tudo, um homem de fé inabalável na força do homem e fé em Deus”

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No dia 13 de maio de 2024, se vivo fosse, o Jornalista João Mariano da Silva estaria celebrando mais um aniversário. Tecido nas profundezas da seca nordestina, no Ceará, com cerca de 10 anos de idade, o adolescente João Mariano acompanhou seus pais em uma jornada de 07 anos no estado do Amazonas, retornando à sua terra natal em 1914. Em 1917, novamente adentraram no Amazonas, ele e seus genitores, residindo na cidade de Eirunepé. Foi nesse município que o jovem cearense viveu o luto da perda de sua mãe.

Em 1920, adentrou no Território Federal do Acre, trabalhando como seringueiro no seringal Valparaíso, Alto Juruá. Mudou-se para Cruzeiro do Sul em 1927 e casou-se em 1932, o que lhe rendeu uma sólida e cristã família de 08 filhos. A viuvez cedo bateu à sua porta, pois perdeu a esposa em 1943. Foi sua querida irmã, Rosa Mariano, que lhe ajudou a cuidar dos filhos pequenos.

No auge do seu casamento, sem poder frequentar a educação formal, João Mariano mergulhou profundamente no autodidatismo, que é quando o indivíduo busca o conhecimento por conta própria, tornando-se refinado no domínio das letras e do direito, ajudando, assim, na defesa dos mais pobres durante as sessões de júri popular. Nesse período, desenvolveu aptidão para atuar na área jornalística e foi nomeado professor na cidade de Cruzeiro do Sul. Em 1947, é notório que o saudoso jornalista já assinava artigos e editoriais do jornal “O Rebate”, juntamente com alguns colegas de ideário, como o senhor Francisco Taumaturgo.

Mais tarde, ele ficaria sozinho com a responsabilidade de manter o supracitado jornal que fora fundado por Antônio Magalhães em 19 de junho de 1921. Não era apenas um homem das letras, era um homem da cultura, da informação, da formação, da espiritualidade, do engajamento nas relevantes questões sociais que permeavam a vida dos cidadãos cruzeirenses.

Transitava livremente no meio das autoridades, prestando apoio incondicional às ações e obras que visavam à melhoria da vida dos munícipes. Seu engajamento religioso, social e espiritual foi importante para as ações e obras sociais da antiga Prelazia do Alto Juruá, hoje, Diocese de Cruzeiro do Sul. O jornalismo que fazia era uma ponte que unia os poderes públicos, as instituições privadas, religiosas ou não, e a sociedade. Em 1953, fundou mais um jornal: O Juruá. Manteve os dois jornais até 1971.

Credenciado pela sua competência com o jornalismo, logo atraiu novos recursos financeiros e materiais para a manutenção dos dois periódicos, oriundos de comerciantes e da Prelazia do Alto Juruá, sendo que esta última ajudou, inclusive, na aquisição de maquinário apropriado para imprimi-los. As impressoras eram manuais, assim como a composição dos textos que utilizavam tipos: letras, sinais de pontuação, símbolos e números forjados em liga metálica. As edições dos jornais eram trabalhosas, demoradas e fatigantes.

Os materiais necessários para a impressão chegavam na cidade, principalmente, por via fluvial. Quando uma máquina quebrava, não raro, as peças danificadas eram substituídas por outras fabricadas à mão ou moldadas por um bom marceneiro (peças substitutivas em madeira). Faltando o papel jornal apropriado, usava-se o antigo papel de embrulho utilizado pelos comerciantes locais, antigamente, para embalar seus produtos, como feijão, arroz e similares. Na falta dos insumos adequados, a criatividade sempre prevaleceu para manter a sociedade bem informada e formada.

João Mariano notabilizou-se não apenas pela sua inteligência e criatividade: era um homem do povo que sofreu as agruras de trabalhar e viver nos seringais, contraindo doenças como malária e enfrentando todos os perigos naturais de quem vive em uma selva hostil e imprevisível. Em sua autobiografia, ele relata momentos de fome, de desespero, de luta incansável pela sobrevivência no meio da mata, no cotidiano de extração do látex, da agonia de ver seus amigos sucumbindo às doenças e sem uma gota de remédio para aliviar as dores. Muita gente não sabia ler, nem mesmo alguns seringalistas, o que agravava a situação de saúde dos seringueiros. João Mariano relata que muitos morreram por terem tomado doses erradas de remédios ou até remédios diferentes dos indicados para combater certas doenças. João Mariano foi um sobrevivente.

                                                   Estreia do jornal O Rebate – 19/06/1921:

O escritor Graciliano Ramos soube, como ninguém, retratar a vida penosa dos nordestinos no livro “Vidas Secas”. Fugindo da vida seca, João Mariano encontrou uma vida de muita água na região amazônica. A vida seca nordestina foi substituída pela implacável floresta e suas armadilhas, as chuvas torrenciais que apanhavam os seringueiros na floresta, umedecendo suas roupas, estragando o precioso líquido extraído das seringueiras, dificultando a volta para casa, escurecendo a mata. João Mariano era, antes de tudo, um homem de fé inabalável: fé na força do homem e fé em Deus. Seus escritos não são de um homem que não teve a oportunidade de frequentar uma boa escola: são palavras de um homem culto, religioso, visionário, antenado com sua realidade e preocupado com a vida de seus contemporâneos, principalmente. Seu legado está registrado no Memorial João Mariano da Silva, no Copacabana Shopping, em Cruzeiro do Sul. Sem a participação informativa e formativa de João Mariano na vida dos Cruzeirenses, certamente, grande parte de nossa história estaria perdida e/ou esquecida.