No próximo domingo (20), terá início a 22ª edição do maior campeonato de seleções de futebol da Terra. A Copa do Mundo desembarca pela primeira vez no Oriente Médio, no Catar. Voltando no tempo, penso que quando o francês Jules Rimet criou o campeonato mundial para ser disputado em 1930, no Uruguai, talvez, nem ele, que era o presidente da FIFA na época, imaginaria que essa competição despertaria tantas paixões e lucros econômicos estratosféricos no futuro. Da simplicidade da sede em Montevidéu e o romantismo de jogadores com uniformes desconfortáveis, aos modernos e luxuosos complexos de treinamentos e arenas do século XXI que mais parecem “naves espaciais”, com futebolistas que se assemelham a astros de cinema, muita coisa mudou.
Nas mais de duas dezenas de torneios realizados, o Brasil tornou-se o maior protagonista da competição, caracterizando-se como o único País a participar de todas as Copas, bem como, ostenta a glória de ser o maior vencedor de mundiais, com cinco títulos: em 1958, na Suécia (a taça do Mundo é nossa! E Pelé era entronizado como o Rei do Futebol); 1962, no Chile (Brasil nos pés e pernas tortas do Mané Garrincha); 1970, no México (90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a Seleção!); 1994, nos Estados Unidos (É Tetraaaaa! É Tetraaaaa!); 2002, na Coreia do Sul / Japão (Ronaldo, o Fenômeno com cabelo estilo cascão da Turma da Mônica). Não posso deixar de mencionar os percalços, como a trágica eliminação da seleção de 82 (era superfavorita e caiu perante a Itália de Paolo Rossi), o roubo da taça Jules Rimet na sede da CBF, em 1983 (os ladrões derreteram o famoso troféu de ouro que havia sido conquistado em definitivo para o Brasil, em 1970) e o indigesto e inacreditável 7 a 1 perante a Alemanha, na semifinal de 2014, em pleno Mineirão, em Belo Horizonte.
Assim, a Copa do Mundo tornou-se algo cultural, um evento extraordinário, que de quatro em quatro anos faz literalmente “congelar” populações de Países inteiros, vidrados assistindo as partidas de futebol, despertando uma paixão peculiar e que faz transbordar os mais diversos sentimentos em torcedores da África à Ásia, da Europa à América, com fanáticos até nos polos gelados e na Oceania.
Entretanto, algo chamou a atenção em 2022. Não precisamos de esforço para observar certo desinteresse por parte da população brasileira com o grande torneio. Afirmo isso, lembrando-me da magia que contagiava a todos, quando há cerca de trinta dias do início dos jogos, já tínhamos a maioria das ruas e praças da cidade enfeitadas em verde e amarelo e não se falava em outra coisa, era a tal “corrente pra frente”, que realmente dava a impressão que o País tinha dado as mãos.
Em Cruzeiro do Sul, recordo-me de minha adolescência, em 1994. Aquelas madrugadas foram mágicas. Esperávamos nossos pais irem dormir e saíamos as escondidas para ajudar a pintar ruas e avenidas, colocar bandeirinhas e fitas nos postes e esconder-se da turma do Juizado de Menores, quando faziam batidas noturnas a fim de caçar a meninada fora de horário “soltos no mundo”. O desinteresse pode ser creditado há uma nova geração, que tem uma gama de outras coisas que julgam mais interessantes, como as redes sociais, plataformas de streamings, aplicativos de músicas, jogos on-line e uma diversidade de outros esportes, quebrando uma quase hegemonia clássica do futebol que perdurou enquanto não ocorria a massificação da internet na primeira década dos anos 2000. Nem com o incentivo governamental oferecendo premiações para os locais mais “tops” com temática sobre a Copa do Mundo foi suficiente para despertar o dito interesse (poucos bairros mobilizaram-se, com destaque para o Bairro do Remanso e a Rua Dom Pedro de Alcântara). Afirmo-vos que o “burburinho” e todo aquele movimento que ocorriam há vinte, trinta anos atrás, era algo natural, na verdade, era como se fosse uma obrigação cívica e patriótica em apoiar a seleção nacional as vésperas do início da competição.
O espírito da Copa do Mundo ainda não morreu, é claro. Tudo ainda é muito grandioso. O enorme destaque na imprensa, os memes na internet, as tentativas de alçar algum jogador ao status de “herói do século XXI”, algumas ruas e comércios enfeitados, enfim, a partir do próximo domingo, tudo será muito intenso e ao mesmo tempo líquido, como manda os tempos atuais. Passará rápido e quando nos apercebermos já estaremos na ceia de natal e preparando a festa de réveillon e quase ninguém falará do triunfo ou de uma catastrófica eliminação nos playoffs. A magia da Copa do Mundo está se esvaindo e chegará um dia, nos próximos mundiais, que a competição será meramente encarada como um torneio esportivo importante, mas tão normal quanto qualquer outra modalidade de entretenimento e disputa.
*Técnico do TJAC, escritor, conselheiro de turismo e colaborador do Jornal Voz do Norte