Cruzeiro do Sul, Acre, 12 de julho de 2025 09:06

Confundido, alvejado, morto: mais um jovem negro é assassinado, em São Paulo

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A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil, segundo a ONU

No silêncio áspero de uma noite do extremo sul de São Paulo, um jovem atravessa a rua com uma bolsa nas costas. Dentro, uma marmita fechada, um livro, produtos de higiene e um comprimido de paracetamolGuilherme Dias Santos Ferreira não fugia de nada, tampouco oferecia ameaça. Caminhava com pressa para casa após um dia comum de trabalho. Era sexta-feira, 4 de julho de 2025, por volta das 22h28. O relógio da cidade marcava o tempo como se tudo fosse seguir seu curso. Mas a bala disparada pela arma do policial militar Fabio Anderson Pereira de Almeida fez ruir a cronologia ordinária das coisas. Guilherme caiu no chão, atingido na cabeça. Morreu sem entender por quê.

Tinha 26 anos. Era marceneiro em uma empresa de móveis sob medida. Trabalhava com o irmão, ajudava nas contas de casa, sonhava em abrir o próprio negócio. Não carregava antecedentes, não portava armas, não representava perigo. O que o matou foi uma política de segurança que se orgulha da velocidade com que reage, mesmo sem saber a quem. O policial alegou ter confundido Guilherme com um dos motociclistas envolvidos em um assalto. Atirou, sem abordagem, sem advertência, sem direito à dúvida. O disparo partiu de quem deveria proteger e atingiu quem não teve chance de se defender.

A autuação foi por homicídio culposo — aquele em que não há intenção de matar —, mas o tiro foi na cabeça. O PM pagou R$ 6.500 de fiança e responde em liberdade. Em poucas horas, já não estava mais detido. Guilherme, no entanto, continua morto. A cidade, que já acostumou seus olhos a esse tipo de manchete, vira a página como se a tragédia fosse estatística. Mas não é. É política.

Há uma falácia perigosa que vem se perpetuando em São Paulo: a de que combater o crime exige antecipar a culpa. A política de segurança pública do estado se construiu nos últimos anos sobre o ideal de eficiência imediata. Mas eficiência que mata inocentes não é segurança — é colapso ético. A doutrina do confronto, aplicada em zonas periféricas e regiões com população majoritariamente negra e pobre, institui um modelo de vigilância que dispensa mediação, presunção de inocência ou processo legal.

O resultado é um Estado que autoriza agentes a matar primeiro e responder depois, quando e se responderem.