Durante o ano assisti de perto a tensão do meu marido quando a Covid se instalou na cidade. Em casa criamos estratégias de chegada de plantão, mas o medo nos consumia. Aos poucos nossos amigos, vizinhos, parentes foram contraindo a doença e nós aguardávamos o momento em que chegaria nossa vez.
Então, o momento chegou. Estávamos fisicamente preparados, porém não emocionalmente. Ele passou 10 dias trancados no quarto, andou poucas vezes pelo corredor da casa de máscara n95 e assim passou a nossa vez, graças a nosso bom deus só ele na casa se contaminou. O tempo foi passando e a população se acostumando.
Diversas pessoas foram tratadas em suas casas por ele. Presenciamos a morte de amigos queridos e por último o desespero e união de nossas forças para que outro amigo à beira da morte fosse salvo. Dezembro chegou, o último mês do ano mais atípico de nossas vidas.
Hoje, estou assistindo médicos que se esmeraram para salvar vidas serem julgados como bandidos, terem seus bens sequestrados, bens estes que foram fruto de muito trabalho em um ano que o medo e o caos se instalaram de forma avassaladora.
Triste ver a população que é quem mais vai sofrer com a ausência deles nas instituições, apedrejá-los de tal maneira. Todo réu tem direito de saber porque está sendo julgado, e de se defender também.
Lembro como se fosse hoje, quando um barco explodiu, muitas pessoas ficaram com seus corpos quase inteiros queimados, o cheiro de carne queimada e os gritos ecoavam e esses mesmos médicos largaram tudo pra ir prestar socorro. Inúmeras vezes meu marido saiu de casa sem estar na escala para salvar a vida de bebês prematuros na maternidade.
Passar dias a fio trancado no hospital se abstendo de momentos em família porque não tem corpo médico suficiente para cumprir a demanda dessa cidade. Moramos numa cidade que presta suporte de vida não só para municípios vizinhos, mas também para outro estado, como pode um médico não poder salvar uma vida por conta de carga horária? E quanto ao diretor afastado, reze para que seu filho não enfie nada no ouvido, porque não há ninguém na cidade mais apto que ele para remover.