O ministro do STF Flávio Dino determinou hoje que o governo suspenda, por “indícios de crimes”, o pagamento de emendas Pix para nove dos dez municípios que mais receberam esse tipo de modalidade de transferência entre 2020 e 2024.
O que aconteceu
O valor total sob suspeita é de cerca de R$ 670 milhões. Dino determinou que o repasse seja suspenso, mas como são emendas Pix, esses valores entre 2020 e 2024 já devem ter sido enviados aos nove municípios.
Ministro baseou decisão em um relatório da CGU (Controladoria-Geral da União). O documento mostrou irregularidades na alocação dos recursos em:
Rio de Janeiro (RJ): R$ 50,7 milhões
São João de Meriti (RJ): R$ 58,4 milhões
Carapicuíba (SP): R$ 150,9 milhões
Macapá (AP): R$ 128,9 milhões
Camaçari (BA): R$ 45 milhões
Coração de Maria (BA): R$ 44,3 milhões
São Luiz do Anauá (RR): R$ 89,4 milhões
Iracema (RR): R$ 55,7 milhões
Sena Madureira (AC): R$ 46,7 milhões
Segundo a CGU, foram constatados indícios de superfaturamento, desvio de recursos, favorecimento de empresas e ausência de comprovação de compras de bens. Além disso, os municípios também não atenderam as exigências de transparência para execução de emendas, como publicação nos Portais da Transparência municipais e uso de contas-corrente específicas para o recebimento dos valores. Veja abaixo o que disseram as prefeituras.
Os municípios acima estão na lista dos dez que mais receberam emendas individuais entre 2020 e 2024 —o único que não recebeu apontamentos da CGU foi São Paulo. Ao todo, esses dez municípios receberam R$ 724 milhões nessa modalidade de transferência nesses cinco.
Dino também determinou que o material apurado pela CGU seja enviado à PF (Polícia Federal). Os dados devem fundamentar a abertura de novos inquéritos ou serão acrescentados aos que já existem, se for o caso.
CGU também deve ampliar a auditoria das emendas Pix “à vista do altíssimo índice de problemas identificados”, escreveu o ministro. “A continuidade é necessária para separar o joio do trigo, evitar injustiças, possibilitar o exercício pleno do direito de defesa e aplicar as sanções cabíveis após o devido processo legal”, diz trecho do despacho.
Ministro também mandou investigar R$ 85 milhões em emendas sem plano de trabalho. Emendas direcionadas a 15 estados não informaram o autor da indicação ou a que se destinavam. Dino enviou as informações à PF, para apurar suspeitas de prevaricação, desobediência a ordem judicial, emprego irregular de verbas públicas, peculato e corrupção.
Foram encontrados indícios de fraude a licitações. Em São João do Meriti (RJ), por exemplo, de quatro licitações realizadas com a verba das emendas, três tinham só um participante, o vencedor. Em Macapá, foram encontradas cláusulas que restringiram a competividade de um certame.
Houve gastos injustificados. A CGU não encontrou a comprovação dos gastos de R$ 1,8 milhão em combustíveis em Sena Madureira (AC), indício de que esse dinheiro pode ter sido desviado. Em outras cidades, diversas obras apresentaram sobrepreços e superfaturamentos.
Deputado executou a própria emenda. No Rio de Janeiro, o deputado responsável por enviar uma das emenda Pix, Marcelo Calero (PSD), se tornou secretário de Cultura entre 2023 e 2024 e cuidou da execução das próprias emendas. Ele foi procurado pelo UOL para comentar, mas ainda não retornou.
Obras no Rio tiveram superfaturamento. Foi encontrado um superfaturamento de R$ 201 mil na aquisição de portas acústicas nas obras dos teatros Ipanema e Ziembinski, além de um sobrepreço (orçamento acima do valor correto) de R$ 200 mil.
Outro lado
A Prefeitura de São João de Meriti afirmou que está atuando para adotar as medidas cabíveis. O município informou que a investigação diz respeito à antiga gestão e que os bloqueios “irão impactar de forma significativa o funcionamento de serviços essenciais”.
O prefeito de Sena Madureira, Gehlen Diniz (PP), também responsabilizou a gestão anterior. Em manifestação enviada à reportagem por vídeo, ele disse torcer para que “os culpados sejam punidos”.A Prefeitura do Rio de Janeiro negou irregularidades. A gestão disse que as obras nos teatros correspondem a menos de 2% do que foi recebido em emendas Pix e que os preços das licitações seguiram rigorosamente o sistema oficial da prefeitura (tabela SCO-RIO), elaborado pela Fundação Getulio Vargas.
A Prefeitura de Camaçari disse que o episódio diz respeito a atos da gestão anterior. A administração disse ter compromisso com a transparência e se colocou à disposição da Justiça para esclarecimentos.
A Prefeitura de Carapicuíba informou já ter prestado esclarecimentos. A gestão diz que voltará a encaminhar toda a documentação necessária, comprovando a regularidade de seus atos. “É importante esclarecer que Carapicuíba possui apontamento relacionado à formalização de processo licitatório, sem nenhum indício de superfaturamento, desvios de recursos ou favorecimento de empresas”, afirmou em nota.
O UOL entrou em contato com as demais prefeituras. Até o momento não houve retorno, mas o espaço segue aberto para manifestação.