Cruzeiro do Sul, Acre, 12 de novembro de 2024 10:43

REFLEXÃO PARA O DOMINGO – O enfermeiro e Prof. Dr. Marcelo Siqueira, da UFAC, alerta sobre a necessidade de mais rigor para o controle da Covid-19

Prof. Dr. Marcelo Siqueira, representante da UFAC na reunião, alerta sobre os perigos da Covid-19 que tiveram suas ações de enfrentamento minimizadas no município

O professor Doutor Marcelo Siqueira, participou no início da semana, na última segunda-feira (25), de uma reunião promovida pela prefeitura de Cruzeiro do Sul com a participação dos empresários para um realinhamento das medidas de precaução e o controle da Covid-19 que teve um grande e preocupante aumento do número de novos infectados e também de mortes.

Prof. Dr. Marcelo Siqueira participou da reunião de alinhamento de atitudes e ações contra a Covid-19 realizada pela Prefeitura de Cruzeiro do Sul com o empresariado e autoridades

Tardiamente, mas ainda em tempo, resgatamos a palestra ministrada pelo Prof. Dr. Marcelo Siqueira aos empresários, com a presença do prefeito Zequinha Lima, do secretario Municipal de Saúde, Dr. Agnaldo Lima, do presidente da Câmara Municipal, vereador Franciney Freitas, da representante do governo do Estado, Raquel Batista e da Dr. Rita de Cássia Lima, infectologista do município.

Abaixo transcrevemos a palestra do representante da Universidade Federal do Acre (UFAC) que abordou aspectos importantes do papel das instituições, mas também da população que ele avalia como fundamentais para o controle da doença com alertas que precisam ser avaliados e colocados em prática por toda comunidade.

“O vírus não circula, quem circula são as pessoas portando o vírus”, alertou o profissional ao destacar também a necessidade do uso da máscara e outros cuidados para evitar o lockdown. “A utilidade da máscara é quase alegórica quando as outras pessoas não tiverem usando também”, alerta o prof. Dr. Marcelo Siqueira ao destacar também as complicações da Covid-19 que tem causado internações e mortes.  

“A Universidade Federal do Acre (UFAC) tem um Comitê Covid-19, instalado na nossa instituição com a participação de profissionais médicos da área de estatística e de todos os segmentos da saúde, com currículos que nos garante qualidade em relação a esses dados, a Dra. Rita conhece alguns – Dr. Thor e Dr. Odilson – que estão da linha de frente.

Desde o início da pandemia aprendemos algumas lições. Primeiro o remédio amargo antes da hora, logo no início da pandemia quando partimos logo para o lockdown. Naquele momento discutimos que o que poderia ser feito seria um calendário alternado para abrir e fechar o comércio, com condutas progressivas, até chegar possivelmente ao lockdown.

Mas, uma coisa nos ensinou naquele momento. Mesmo depois que reabrimos os comércios, talvez pelo rigor do lockdown, o próprio comércio em Cruzeiro do Sul atuou como agente auxiliar do serviço de saúde, quando coibiu a entrada de clientes nos seus estabelecimentos sem máscara e estabeleceu entre seus profissionais, atendentes e entregadores alguns critérios.

Lembro que recebíamos a maquininha da encomenda do lanche em casa enrolada em papel filtro e o entregador trazia o esguicho de álcool. Isso foi o mês de abril, quando houve o lockdown e conseguimos passar junho, julho, agosto e setembro mantendo o controle dos indicadores porque as medidas estavam sendo cumpridas na cidade.

Isso aconteceu porque o sujeito sabia que se saísse de casa sem máscara não entraria no banco para receber o dinheiro, nem ficaria na fila para receber o Auxílio Emergencial sem máscara porque existia um rigor de fiscalização naquele momento. Temos que fazer essa reflexão. Hoje, sinceramente, tenho muita solidariedade às pessoas que saem as ruas com máscara.

A utilidade dessa máscara é muito reduzida e quase alegórica quando as outras pessoas não tiverem usando também. Para a máscara e as medidas de controle funcionarem temos que estar, lá fora, como estamos aqui nesse ambiente – com distanciamento e de máscaras – onde as gotículas da fala não atingem uns aos outros e eu me preservo e também preservo o outro.

Este é o grande paradigma. Estamos falando aqui de fazer a dura escolha de fechar o comércio e promover a pobreza, que é algo duro, para uma região onde a cesta básica já superou 50% de aumento real, mas o ganho e a renda média da população não tiveram nenhum aumento. No Brasil – São Paulo centrista e Sudeste – este aumento real na cesta básica foi de 4%.

Recentemente tivemos mais um aumento no preço do combustível que impacta diretamente no preço do frete, no custo da indústria e também impacta no preço dos produtos, principalmente numa região como a nossa região e temos um fator econômico que não é primordial porque não estamos vivendo mais apenas uma pandemia, mas uma sindemia.

A sindemia é uma sinergia de problemas que resulta num problema maior. O Coronavírus provoca um problema na economia que gera pobreza, fome, miséria e morte e além disso, da própria infecção respiratória desencadeia condições secundárias como é o caso do diabetes, hipertensão arterial e das complicações cardíacas, como exemplo.

Nosso hospital está lotado de pessoas que já foram infectadas pela Covid-19, mas um mês depois voltaram porque tiverem um infarto ou AVC. Então, não há uma sobrecarga apenas na clínica Covid, mas em toda a rede de saúde e condição social. Precisamos colocar isso na mesa para não tomar uma decisão dura capaz até de gerar depois uma situação ainda mais trágica.

Quando falamos de colapso da rede pública de saúde, se em 24 horas seis pacientes ficarem graves e precisarem de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) colapsou tudo. Se seis pessoas, numa cidade com mais de 80 mil habitantes, adoecerem gravemente e precisarem de UTI, que já está há 130% de sua capacidade falamos de colapso da rede pública.

Hoje, para aumentar seis pacientes na UTI Covid-19 precisaríamos dobrar as equipes médica e de enfermagem e pergunto: de onde vamos tirar esses profissionais? Não temos essa condição porque não temos os profissionais. Precisamos, então, fazer uma conta alternativa da experiência do próprio comércio que recentemente muito auxiliou a saúde.

Se já vivemos a experiência do próprio comércio auxiliando o serviço de saúde com o rigor do distanciamento social, da marquinha no chão das filas, do uso da máscara e de uma pessoa por família ingressando no supermercado, se conseguimos isso lá atras, porque não conseguimos novamente? É uma pergunta que deixo para evitarmos o colapso social, econômico e de saúde.

Quando vim para essa reunião propositalmente fiquei a observar e vi pessoas, tanto do comércio quanto da rua, trabalhando livremente sem máscara no caminho. Olha só como as coisas mudaram. Essas pessoas, que estão sem máscara, fazem porque conseguem entrar no banco, comprar arroz feijão e cerveja no comércio e fazer tudo sem usar a máscara.

Então, por que ela vai ter a responsabilidade de usar a máscara, se pode fazer tudo sem ela e a sociedade por pacto não impõe uma penalidade para ela? Sabemos do rigor de notificar a empresa, de escrachar a autoridade que estava na reunião sem máscara, mas é também preciso que o cidadão comum tenha que assumir uma responsabilidade neste processo.

Penso, como sugestão, que neste momento é preciso revisar aquilo que é essencial e o que não é essencial à vida dentro no comércio. Precisamos falar em redução imediata do fluxo pessoas nas ruas e como se dará isso. Na prática, para que cinco pessoas de uma mesma família no supermercado no domingo? Precisamos cobrar na prática o rigor do uso da máscara.

É uma questão que envolve a saúde, o comércio como instituição reconhecida no Brasil, mas principalmente a sociedade no indivíduo. Avalio que o problema maior está muito mais no indivíduo polarizado, cheio percepções políticas e negacionismos e estamos confundindo liberdade de expressão com a libertinagem de expressão.

Quero até pedir ajuda aos profissionais da imprensa, que são primordiais nesse processo, para que não se permitam a divulgação de achismos. A imprensa brasileira divulga que as pessoas estão sendo imunizadas e isso não é verdade. Nenhuma pessoa foi imunizada, neste momento as pessoas estão sendo vacinadas e quem faz a imunização é o corpo humano.

Quem tomou a vacina nos últimos dias não está protegido. É preciso dar tempo ao tempo. O corpo humano precisa de 14 dias para iniciar o processo de produção de anticorpos e 28 dias para se alcançar algum nível de segurança e se tratando da Coronavac precisa ainda de um novo estímulo.

Então, temos muita coisa séria a ser discutida e não passa apenas pela responsabilização da Associação Comercial, da prefeitura ou governo do Estado. A sociedade tem um papel amplo e não quero ver o comércio fechado para causar desemprego, mas nem o colapso no sistema de saúde.  Há esse caminho, mas vai exigir rigor, compreensão e o empenho de todos.

Será preciso observar a questão dos horários, o controle ne entrada dos estabelecimentos, distribuição de álcool em gel e um grande e elevado rigor no sistema bancário referente ao ingresso em agências sem o uso da máscara. Não tenho dúvidas, como epidemiologista, que o simples uso da máscara com certeza dará um grande impacto no número de casos de Covid-19.

Para finalizar, em relação ao vírus sempre tenho dito que o vírus não circula, quem circula são os seres humanos, o vírus pega apenas carona. Se o vírus está circulando muito é porque há  muita gente circulando portando o vírus. Me desculpem, não podemos assistir, com a Inglaterra, São Paulo, Amazonas e Rondônia em lockdown, brigas em festas de bares em Cruzeiro do Sul.

Cruzeiro do Sul tem 95% de sua capacidade instalada de serviço de saúde utilizada, está no limite, nas UTI’s já passou do limite faz tempo porque quando se tem uma programação de 10 leitos tem uma programação de médicos, oxigênio e remédios e passa a atender 13 pacientes e pode chegar a 18 sem contratar mais ninguém a qualidade diminui. Uma hora vai faltar para alguém.

Há apenas um caminho, este que está posto!”, finalizou.