Pesquisadores apontam que ação humana, mudanças climáticas e eventos extremos colocam a resistência do bioma em xeque
É como um efeito dominó. A seca forte vem, encontra a floresta já desmatada, a deixa mais suscetível ao fogo, diminui o processo de evapotranspiração responsável por quase 50% da água sobre a Amazônia, reduz as chuvas que se deslocariam para outros pontos e fragiliza ainda mais o bioma.
Em um processo cada vez mais frequente – a estiagem atual é a quarta que atinge a região com intensidade desde o ano 2000 -, as mudanças climáticas trazem um novo período semelhante, novos incêndios surgem, a pluviosidade se altera, a recomposição da vegetação é afetada e a resistência da gigante verde vai sendo minada.
Os efeitos da atual falta de chuva, impulsionados pelo fenômeno El Niño, ainda vão permanecer na Floresta Amazônica por muito tempo. Pesquisadores ouvidos pelo Estadão afirmam que a ação humana, as mudanças climáticas e os eventos extremos colocam a resiliência do bioma em xeque.

De acordo com pesquisa publicada na revista científica PNAS (The Proceedings of the National Academy of Sciences), as secas recorrentes aumentam o risco de eventos em cascata ao ultrapassar as capacidades adaptativas da floresta. Segundo o estudo, as regiões sul e sudeste amazônicas, as mais afetadas pela ação humana, são também as que sofrerão os maiores impactos e riscos de savanização.
“Em 15 anos, tivemos três secas. Era esperado que ocorresse uma assim a cada cem anos”, diz Henrique Barbosa, professor da Universidade de Maryland, Baltimore County, nos Estados Unidos, e um dos autores da pesquisa.
Na manhã de terça-feira, 17, o Rio Negro chegou à marca de 13,49 metros, em Manaus. É o nível mais baixo em 121 anos, desde que o monitoramento começou a ser feito.
A floresta amazônica recicla a umidade que vem do oceano e produz até 50% das suas próprias chuvas. Todo o bioma está interligado nesse sistema, o que significa que os danos numa região se espalham para as áreas vizinhas.
Segundo a pesquisa, que desenvolveu um modelo matemático, esse sistema será fortemente afetado por secas mais frequentes, conforme as previsões de tendências do aquecimento global – que já altera de forma quantificável os padrões de precipitação e a duração da estação seca. A estimativa do estudo é que os danos globais causados por um evento extremo como o atual possam aumentar em até um terço.
“A chuva no sul da floresta depende do que acontece no norte”, afirma Barbosa. “Se você perde um pedaço da Amazônia, por desmatamento, mudanças climáticas, o que for, isso irá afetar outras regiões do bioma.”
A estiagem severa castiga a Amazônia com intensidade considerável pela quarta vez desde o ano 2000.
- Antes da seca de 2023, o bioma e seus moradores foram atingidos pelas secas de 2005, 2010 e 2015/2016. Em 2020, a região sul da floresta também sofreu com os efeitos da falta de chuva, assim como o Pantanal.
Assim, o que se vê neste ano na floresta não pode ser dissociado do que veio antes. Se a superfície da cobertura de água no Estado do Amazonas atingiu sua menor extensão desde 2018, como mostrou o Estadão, e se o Rio Negro atingiu seu menor nível na história, deixando o porto de Manaus inacessível para diversas embarcações, as notícias sobre queimadas e recordes sucessivos de desmatamento que explodiram e se acumularam nos últimos anos também fazem parte do mesmo roteiro de acontecimentos.
Veja o antes e o depois de região da Amazônia afetada pela seca
